Responsável por acabar com o reinado de João Antônio na Pedra Bonita, o missionário Francisco Correia já não estava na região na época do massacre, motivo pelo qual foi comunicado sobre os acontecimento por meio de uma carta do Padre Antônio Gonçalves de Lima, vigário interino da Freguesia de Serra Talhada na época.
Ilmo. Revm. Sr. Francisco José Correia. Veja V. Rvm.No que veio dá a malvada ilusão dos diamantes e Reino Encantado de João Antônio. Tendo notícia o Major Manuel Pereira da Silva que os fanáticos daquele estavam congregando e iludindo os mais incautos para seu partido e juntos já bastantes no lugar de pedra bonita do sonhado reino, saiu no dia 18 com uma pequena tropa de 30 homens houve de parte a parte uma tão forte cruenta e cruel guerra que dentro de poucos instantes ficou o maldito reino arrasado e mortos da parte dos malvados 14 homens, 3 mulheres e os mais evadiram-se, sendo prisioneiros muitas mulheres; e dessa nossa tropa morreram e saíram 3 feridos; 2 levemente e um, muito mal; porém espera escapar; e entre os 5 mortos, 2 filhos do finado capitão José Pereira, que foram Alexandre e Cipriano. O rei João Antônio não está aí há muito tempo e de lá mandou um chamado João Ferreira fazer cá algumas vezes, e este estava coroado com uma coroa de cipó japiranga, com o título de Santidade que todos lhe beijam o pé e vivia pregando lá a seu modo de iludir e juntando gentes, rezando e casando com quantos quisesse, até com duas ou mais mulheres, e ele mesmo já estava casado com sete, e o seu casamento era dessa maneira: eu te caso pelo poder que Deus me deu- e todos aqueles que não lhe beijava o pé, no mesmo instante o matava, que ainda matou 19 crianças e 19 adultos de ambos os sexos, e idades. Dizia que o reino se desencantava e restaurava com o sangue dos inocentes e cada pai de família dava dois ou três filhos para serem assassinados e os pais terem maior parte na restauração; cujos pais entregavam seus filhinhos de muito livre vontade, e os filhinhos gritavam, choravam e pediam aos pais que não os deixasse matar e agarrados com eles diziam: não meus filhos, não há remédio, não há remédio. E o Santidade dizia que se viessem as tropas, não temessem nada e gritassem viva a nosso Rei João Antônio, viva a nossa liberdade, viva a nossa Religião, vivas e mais vivas que naquele mesmo instante do ataque era o reino restaurado e ressuscitariam os mortos e pareceriam ali as maiores grandezas do mundo e cairiam sobre os combatentes e os arrasariam e ficariam eles de posse daquela grandeza e seriam os primeiros do reino, sendo o reino na pedra bonita e a grande cidade na lagoa formosa, distante meia légua; e, por isso, quando sentiram a tropa gritaram com maior entusiasmo do mundo, e fizeram uma gritaria de vivas e vivas que ninguém se entendia, batiam palmas, faziam a maior zoada, que dar se pode. As mulheres vendo os maridos morrendo em seus pés, não corriam, só esperando o desencanto premeditado e só vieram desenganar depois de tudo consumado. Eles não enterravam os mortos, só esperando brevemente a restauração e gritavam na guerra, é tempo, é chegado o tempo, chegou o tempo, viva, viva. Dois ou três dias antes do ataque, um irmão de João Antônio chamado Pedro, matou o Santidade e coroou-se a si próprio, e com estes justos 39 que eles mataram. Ontem tivemos notícia de que nossa gente, que por lá ainda ficou, matou mais a 2 e já anda toda a mortandade daquela ilusão por 63 pessoas, sendo mortos lá entre eles 29, na guerra 22 e depois 2. Veja que desgraça meteu João Antônio naqueles miseráveis que nunca mais se quiseram apartar de semelhante superstição, fanatismo e ilusão. Forte infelicidade, forte desgraça. Deus nos acuda. Os 5 nosso que morreram era gente escolhida e boa, que foi um seu afilhado, Francisco Ferreira de São Paulo, Viríssimo, filho do finado José Antônio da Penha e um irmão de Antônio da Cruz, chamado João, primo legítimo dos mesmos Pereiras. Que gente boa se perdeu. Valha-nos Deus.
Deus guarde V. Rvm. Em saúde, felicidade e paz, para a consolação, de quem protesta ser de V. Rvm. Patrício, apaixonado e amigo. Serra Talhada, 24 de maio de 1838. N.B.
Neste instante soubemos que já as tropas mataram mais 10 pessoas e só faltam dos cabeças 3, que são João Antônio, o pai e outros mais. O padre Antônio Gonçalves de Lima.