Ofício de Francisco Barbosa Nogueira Paes, então prefeito da comarca de Flores, comunicando os fatos ocorridos na Pedra Bonita ao Conde da Boa Vista, presidente da Província de Pernambuco, datado de 25 de maio de 1838.
OFICIO DO PREFEITO TRANSCRIÇÃO
Ilmo e Exmo Sr. Pela vez primeira que me dirijo a V. Exª participando o estado desta comarca, que apesar de se achar tranquila, todavia, tenho que levar ao conhecimento de V.Exª o caso mais extraordinário, mais terrível, cruel, nunca visto e quase incapaz de acreditar-se, eu deixaria de noticiar um semelhante acontecimento se não fosse obrigado pelo emprego que por V. Exª. me foi confiado, talvez por desconhecer a incapacidade de meu critério. Permita-me V. Exª., que por um pouco, vá analisando os fatos e por juízos tais e quais tiveram lugar nesta comarca, nas imediações do Piancó. Há mais de dois anos, V.Exª., que um homem de nome João Antônio, morador do sítio Pedra Bonita, distante desta vila vinte e duas léguas, lugar este composto de bosques, junto dos quais se acham dois penedos acroceraunios, se lembrasse de apresentar uma zizania aos povos dizendo que naquele lugar existia um reino encantado e que estava a desencantar-se, em cuja ocasião apareceria El Rei Dom Sebastião com um grande exército, ricamente adornado e que todos que os seguissem seriam felizes e foi lidando nesta seita que em dias de novembro do ano próximo passado, aconselhado pelo missionário Francisco José Correia de Albuquerque, fizeram uma viagem para o sertão dos Inhamuns donde mandasse um enviado de nome João Antônio, homem hostil, péssimo e esquisito de sorte que este lobo assim chegado no lugar de Pedra Bonita e aclamando-se rei, tratou de trazer aos povos rusticos sujeitos as umas ideias supersticiosas, dizendo-lhes que para a restauração do reino tornava-se necessário que fossem imoladas as vítimas de homens, mulheres e meninos, que em breves dias, ressuscitariam todos e que ficariam imortais sendo estes sacrifícios uteis para regar o campo encantado com sangue humano e dos inocentes, depois do que apareceriam as maiores riquezas do mundo e que todos os pardos do lugar ficariam mais alvos que a própria lua; de maneira que assim pode conduzir os povos ignorantes as suas falsas declamações e péssima doutrina e conseguiu que alguns pais entrassem seus filhos ao cutelo do sanguinário tigre e no dia 14 do corrente deu princípio as suas hostilidades assassinado até quarta feira, 18 deste mesmo mês, vinte e um adultos e vinte e um parvulos de ambos os sexos e casando cada homem com duas ou três mulheres sendo este contrato feito pelo mesmo idólatra, com superstições próprias de sua imoral conduta, porém o seu resultado foi tristíssimo porque Pedro Antônio, irmão do primeiro inventor João Antônio, já intolerante aos desmandos semelhantes canifrás ou talvez ambicioso de substituir-lhe no reino, determinou o assassiná-lo como o fez no dia de terça feira, 17, dia em que, correndo um dos moradores do lugar, pôs aviso ao Comissário Manuel Pereira da Silva e este, imediatamente foi reunir uma força composta de vinte seis guardas nacionais e paisanos e seguiram no dia sexta feira, 18, do supracitado mês, de seu sítio Belém, distante deste lugar da desordem oito léguas, já perto, encontraram a Pedro Antônio assassino do bárbaro João Ferreira, coroado com uma coroa de cipó, tomada ao seu antecessor, e acompanhado de um grupo de homens e mulheres que gritavam em altas vozes: “Cheguem que os não tememos, e acudam-nos as tropas do nosso reino”. E com tais alaridos principiaram a brigar-se e os desordeiros puderam logo /a cacetar e espadar com que brigavam/ matar seis homens da tropa e ferirem a quatro, entre os quais mortos foram os cidadãos Alexandre Pereira da Silva e Cipriano Pereira, irmãos do comissário (perda esta sensível), mas V. Exª. , debalde foi o plano dos desordeiros, que sendo fortemente atrasados, perderam, em um instante, vinte e nove pessoas, inclusive as mulheres, além dos feridos que pelos matos correram, sendo prisioneiros três homens, nove mulheres de doze meninos. Note, V. Exª. que naquele dia 18, às quatro horas da tarde, foi que me chegou a notícia das primeiras desordens, não por parte oficial do Comissário, mas sim por uma carta particular de uma pessoa de crédito, a vista da qual, a todo preço, reuni quarenta homens e logo marchei à frente deles para prender os desordeiros, mas foram malogrados os meus passos porque chegando perto de Pedra Bonita, já tudo estava destruído, como acima teve dito, Exª, esta minha asserção não foi baseada só na parte do comissário, mas sim na condição, contudo, que todos [os] presos fossem, mesmo as crianças de cinco a doze anos, de maneira que parecendo o caso um sonho, todavia é real, pelas razões que pondero a V. Exª., os presos de que faço menção foram pela minha tropa conduzidos para a cadeia desta vila, e deles fiz entrega ao Juiz Criminal, com parte, para conhecer sumariamente, e doze meninos entreguei ao Juiz do Cívil para as mandar distribuir por pessoas que os possam educar, até que V.Exª providencie a resposta.
Deus guarde V. Exª.
Prefeitura da Comarca de Flores, 25 de maio de 1838
[Dados do destinatário, Francisco do Rego Barros, Presidente da Província de Pernambuco]
Francisco Barbosa Nogueira Paes